Parte I:
Naquele ínfimo instante ele sabia que estaria
completo, que como nunca antes na vida veria o espectro das gotas de mel que
durante toda sua vida havia buscado. Com toda vida vivida atrás de si, agora ele
estava ali, nem ciclos a frente nem ciclos atrás, mas naquele momento exato, e
vagarosamente inclina-se para frente, desapegando-se de tudo que um dia lhe
fora concreto, e o vento parece não concordar com a direção que aquele corpo
tomava. De braços abertos estava, como aqueles pássaros... Aqueles da imensa gaiola
que recobria todo o quintal de seu avô, que abriam suas asas sentindo toda a
leveza do vento a impeli-los a mover-se e num sincronismo invejável alçavam vôo
enxergando por entra as grades a imensidão azul que ali permanecia todo tempo,
até serem por estas impedidos e num choque inevitável com tais limites
permitiam que o vento se fosse por entre a grades e não o acompanhavam, lá
engaiolados permaneciam.
Ele
quando criança não compreendia o por quê daqueles pássaros ali, se eram seres
dos ares. Contudo muito apreciava deitar sobre a areia descalço e atentamente
observar as tentativas frustradas daqueles pequeninos com asas, alguns poucos recém
chegados que ainda ousavam.
Ainda
nesse mesmo instante, aquele soar não lhe era estranho, uniam-se melodias do titilar
das gotas de chuva que tocavam o metal frio, a água e o concreto ao barulho dos
carros, das casas, das pessoas e por entre os mesmo o vento lançava com grande
maestria as gordas gotas de chuva numa só direção. De olhos fechados e atento a
cada ruído podia ate escutar nos sons que o rodeavam as sinfonias das quais ele
nunca participaria. O violoncelo que tanto amava estava lá, entocado num
quartinho na casa de sua mãe, pois as responsabilidades da vida e as oportunidades
nunca dadas a ele o impediram de realizar-se nessa área. Em meio as inúmeras sensações
que o percorriam por completo, ele via o filho que não viu nascer e a mulher
que amava, a única que amou em toda sua curta vida, recordando desta colocar-lhe
as mãos lateralmente sobre sua face e sussurrar-lhe no ouvido: -Vai ficar tudo
bem. Ainda estamos aqui... Ele não compreendia por que estar aqui lhe traria
algum conforto, mas aquelas mãos que tanto havia querido eram-lhe suficientes e
por um milésimo de tempo lhe proporcionaram um sentimento de proteção e
regozijo.
Aquele
pássaro novamente o salva da solidão, da qual ele afasta-se como que por um ímpeto
e da beirada daquela ponte rodeia até a calçada e se encosta nesta com os
pulsos acelerados, ciente de que Deus ali naquele lugar e naquela hora havia
lhe dado mais uma chance e era hora de agarrá-la.
Tudo
isso se passa em segundos bem próximos ao momento auge onde o vento não mais
lhe impediria de cumprir seu propósito, inesperadamente um canto lhe desperta
da letargia que o impulsionava para fora. Ao abrir os olhos fita-o atentamente
e reconhece como que por memórias apagadas da infância o pássaro azul, o mesmo
que naquela manhã de domingo após a morte do seu pai da janela do quarto de um
garotinho amedrontado, o chama de seus soluços e o consola por dias a fio com
seu canto e movimento.
Aquele
pássaro novamente o salva da solidão, da qual ele afasta-se como que por um
ímpeto e da beirada daquela ponte rodeia até a calçada e se encosta nesta com
os pulsos acelerados, ciente de que Deus ali naquele lugar e naquela hora havia
lhe dado mais uma chance e era hora de agarrá-la.
(...)
Bela Malta
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